A cultura "cyberpunk" é um fato, uma mistura de esoterismo, programação
informática, piratarias e ficção científica (1), influenciada pela
contra-cultura americana e pelos humores dos anos 80. Ela é uma cultura de rua,
presente em vários países e que se expressa através de revistas "especializadas"
(2), de jogos eletrônicos clandestinos (3), da pirataria digital ("hacking",
"phreaking"), do cinema e da televisão (4), das revistas em quadrinhos (5), dos
vírus de computador (6), da moda (7), das novas expressões artísticas e das
novas imagens (8). A cultura "cyberpunk" é, antes de mais nada, a expressão de
um comportamento irreverente em relação às novas tecnologias.
Não precisamos muito para observar as mudanças e os "bouleversements"
sócio-culturais por que passa a nossa sociedade contemporânea a partir da
miniaturização e banalização das novas tecnologias de base micro-eletrônica.
Alguns vão ver aí traços da "pós-modernidade", outros, o agravamento e a
radicalização do que foi o sonho tecnológico moderno. A cultura "cyberpunk" nos
leva a crer que as duas posições fazem sentido.
Por um lado, os "cyberpunk's" rejeitam o sonho do paraíso tecnológico,
"brincam" e "jogam" de maneira irreverente com as regras impostas pelo sistema
tecnocrático. Eles pretendem, pela subversão das regras e pelo prazer, recolocar
a questão do poder tecnológico e popularisar a idéia de que a tecnologia deve
ser uma ferramenta de liberdade, prazer e comunicação ao alcance de todos, e não
previlégio de uma elite (cientistas, militares e industriais).
As grandes promessas da modernidade desabaram. O "no future" impera e a única
saída é investir tudo no presente. Agora, a tecnologia só faz sentido se ela
ajudar nessa "apropriação do quotidiano". A cultura "cyberpunk", fruto do sonho
maior da modernidade (a informatização da sociedade), se volta contra seus
paradigmas fundadores e apresenta uma outra maneira de pensar e utilizar a
tecnologia. Nesse sentido ela é um "pesadelo" da modernidade. Aqui podemos estar
vendo o nascimento do imaginário tecnológico da "pós-modernidade".
Por outro lado, a aceitação do destino tecnológico ("a tecnologia está aí e
nada podemos fazer a não ser utilizá-la de maneira criativa"), o surgimento de
uma nova utopia da comunicação, livre e tecnicamente perfeita (relançando um
novo "projeto" e uma nova "ideologia"), o isolamento do sujeito, imerso em uma
parafernália hyper-tecnológica que reforça os ideais individualistas modernos
(os "Otakus") (9), a paixão quase religiosa por tudo o que é novidade no mundo
da técnica, só para citar algumas pistas, atestaria uma radicalização dos
paradigmas legitimadores da modernidade. A tecnologia contemporânea é vivida
assim sob o signo desse paradoxo.